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O que nos dizem as árvores?

A natureza é nossa aliada. A canadense Judy McAllister, moradora da ecovila Findhorn, defende isso e vai além: em suas meditações diárias, acabou se conectando tanto com as plantas que se tornou intérprete delas

Judy McAllister – Marco Bernardes

A canadense Judy McAllister cresceu no norte de Ontário em uma região cercada por densa floresta e um grande rio, onde adorava se refugiar para acalmar os sentidos. Sua devoção pela natureza a tornou ambientalista e também sensitiva. Há 40 anos mudou-se para Findhorn, uma comunidade ecológica no norte da Escócia, onde vive até hoje em busca de respostas para o propósito da vida. Nesse caminho, sua conexão com as plantas foi se tornando cada vez mais forte, até que descobriu sua missão na Terra e atribuiu essa intuição ao contato com as árvores. Começou a ir para perto delas e receber mensagens durante as meditações. Em sua primeira viagem ao Brasil encantou-se com uma araucária na Região Sul; na segunda, procurou arduamente uma amostra de pau-brasil. Esse encontro, porém, só aconteceu anos depois, mas de forma tão profunda que virou porta de entrada para a conexão com outras tantas espécies de árvores espalhadas pelo mundo. Em sua última vinda ao país, Judy participou do III International Happiness Forum, onde falou sobre 70 mensagens que recebeu de diferentes árvores – tema do seu livro Forest Voices: When Nature Speaks, previsto para ser lançado por aqui pela editora Taygeta nos próximos meses. A publicação é um covite para ouvirmos o que esses outros seres vivos têm a dizer sobre a preservação do planeta Terra, a morada de todos nós.

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Como devemos apresentá-la para quem não conhece seu trabalho?

Acredito que sou um produto da Fundação Findhorn, que segue o conceito de integração com a natureza. Se olharmos para a tradição dos povos indígenas, sempre existiram mitos e lendas que de alguma forma estão conectados com a natureza não humana. Essa integração n não é novidade. O que é relativamente novo é o conceito desenvolvido em Findhorn de que a natureza tem uma inteligência com que podemos conviver e cooperar. É uma ideia de parceria com o mundo invisível ou mundo sutil, com seres, entidades ou formas de inteligência que estão associadas à natureza. Antigamente, ao redor da comunidade de Findhorn, havia um local muito árido, de areia e pedras, sem vegetação alguma. Dorothy Maclean, Peter e Eileen Caddy, fundadores da comunidade, queriam construir um jardim, mas todos diziam que era impossível. Hoje existe um espaço incrível, com muita vegetação. E ele só foi construído por meio da parceria entre o mundo humano e o sutil, que nada mais é que o mundo espiritual, mundo dos Devas e das presenças angelicais. Essa relação é uma característica da ecovila, e eu fui ensinada a interagir com esse mundo sutil.

Mas o que são os Devas?

É como são chamadas as formas energéticas intimamente ligadas à natureza. Os Devas são seres luminosos, de grande inteligência, que agem como orientadores da natureza e supervisores de alguns elementos ou de outros seres vivos que ainda não atingiram um estado de consciência mais elevado. Cada espécie vegetal tem seu respectivo Deva, responsável por conduzi-la. É uma energia consciente da árvore, a que se comunica.

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Como acontece a sua integração com as árvores?

Meu processo de entrada é por meio da meditação. Diferentemente de algumas pessoas, eu não escuto nada, apenas sinto. Para mim, o contato é uma espécie particular de frequência que aprendi a reconhecer. Existem alguns indicadores que, quando estão presentes, sei que estou conectada. É como uma onda telepática. Se eu começo a capturar e escrever essa vibração, a onda continua; caso contrário, desaparece. Demorou anos para eu acreditar nisso e para conseguir identificar o momento
em que eu realmente estava nessa frequência. Tive muita sorte por ter trabalhado com a Dorothy, pois pude compartilhar com ela todos os acontecimentos e sentimentos que eu tinha. Ela me posicionava e me encorajava a praticar. Eu continuei, mas, antes, precisei aprender a identificar essa frequência. É bem importante esclarecer que eu não converso com as árvores, mas sim com o Deva da espécie. Cada espécie, seja de árvore, planta ou animal, tem seu Deva, uma luz ou uma semente energética da espécie. Quando eu finalmente encontrei o Deva do pau-brasil, por exemplo, foi tão valioso que acabei utilizando a mensagem como porta de entrada para todos os exemplares da espécie no planeta. É uma energia muito poderosa, que tem inteligência e que pode comunicar. E nós podemos nos comunicar com os Devas.

Qualquer pessoa pode se comunicar com os Devas?

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Sim, sim e sim novamente. Todos nós temos capacidade de entender a natureza. É um exercício de amor que faz parte da energia humana. Todos podem, mas nem todos fazem e nem todos acreditam. Muitas pessoas acham que eu sou louca. Pode haver ridicularização em relação às pessoas que pensam como eu penso e falam como eu falo, mas está tudo bem.

Como é viver em Findhorn?

Não é muito diferente do que viver em outros locais; afinal, pessoas são pessoas e onde quer que elas estejam existem algumas dinâmicas similares. A comunidade em Findhorn cresceu muito e virou uma comunidade repleta de comunidades. Quando eu fui para lá, há 40 anos, morávamos em aproximadamente 300 pessoas. Atualmente existem: uma ecovila, uma universidade, vários negócios privados, pessoas praticantes de vida saudável, consultores de diferentes áreas, treinadores, artistas, entre outros. E esses círculos menores vivem dentro de um círculo maior. Acredito que hoje há cerca de 800 pessoas vivendo na Fundação. Muitas, inclusive, já nem se conhecem mais e têm diferentes níveis de engajamento com a comunidade em geral.

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Em seu livro, a senhora relata seus encontros com os Devas. Fale sobre isso, por favor.

O livro relata a minha história, minha relação com as árvores e como esse processo interno foi exteriorizado. Ouvi mais de 70 espécies diferentes pelo mundo. Aqui no Brasil começou em Canela, no Rio Grande do Sul, quando encontrei uma amostra de araucária centenária. Depois que acessei o Deva dela, desconfiei que houvesse algo mais. Então meditei e percebi que a energia do entorno daquela araucária, que eu chamei carinhosamente de vozes da floresta, estava se manifestando. Essa sensação me encorajou a fazer todo o possível para me conectar com essa presença mais ampla. E, então, quando eu fui visitar a Mata Atlântica na Serra da Bocaina, algo maior aconteceu de novo: a voz da floresta se manifestou. Aqui no Brasil me conectei com dez espécies. Apesar de existirem florestas em todo o planeta, em cada local a conexão tem um aspecto diferente.

Existe algo em comum entre as mensagens desses diferentes locais?

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Sim. Algumas vezes eu uso uma analogia musical para tentar explicar essa conexão. Imagine instrumentos diferentes tocando exatamente a mesma melodia, só que de forma isolada. É como ouvir um instrumento de corda e um de sopro tocar isoladamente a mesma melodia, o mesmo tom, a mesma frequência. Eu consigo reconhecer tudo isso facilmente. No entanto, existem diferenças; a mensagem é consistente. Muitas vezes, essas vozes coletivas nos convidam a entender o que
a floresta realmente é e o que nós realmente somos. E é comum limitarmos nossa capacidade de percepção. Esse convite é feito para nos integrarmos à natureza plena, mas, sobretudo, nos integrarmos em particular com a floresta – justamente em função do que esse espaço representa no cuidado de Gaia, dessa biosfera que chamamos de Terra.

O que as árvores brasileiras lhe disseram especificamente?

Diferentes Devas transmitem diferentes mensagens. Na maioria das vezes bastante filosóficas. Lembro-me da mensagem de uma árvore na Bocaina que dizia repetidamente que a devastação que acontece na natureza é o que também acontece
com os seres humanos. E como lidamos e colaboramos com isso. Os Devas também têm certo grau de curiosidade para saber por que resistimos tanto em nos descobrir. Eles falam muito sobre teia da vida, indicando os lugares onde ela está sendo rompida ou destruída. Com muita frequência, recebo mensagens muito francas sobre o papel que os seres humanos têm nessa destruição do planeta. Mas não em posição de julgamento ou de raiva, apenas expressam um fato. Frequentemente, fazem pedidos para estarmos mais conscientes das consequências dos nossos próprios atos.

A senhora sobrevoou a Floresta Amazônica. Como foi essa experiência?

Há dez anos, lembro que estávamos em um voo diurno de Miami para Manaus, na Amazônia. De repente me senti completamente dominada por sentimentos que eu não sabia explicar e comecei a chorar. Mas as minhas lágrimas não eram de tristeza. Fiquei me perguntando o que poderia estar acontecendo. Quando olhei pela janelinha do avião era tudo completamente verde, até onde meus olhos podiam enxergar. Era aquele cobertor gigante de verde irradiando uma energia de alegria, de vida. Então eu concluí que havíamos encontrado a Floresta Amazônica. Foi uma experiência muito poderosa para mim e, naquele momento, tomei a decisão de passar um tempo particular na floresta. Porém, a programação em Manaus estava tão intensa que não consegui me isolar naqueles dias. Nessa viagem ouvi falar do pau-brasil pela primeira vez. Achei precioso que a árvore e o país compartilhassem o mesmo nome, mas fiquei surpresa ao verificar que, em todos os locais em que eu pedia para ver essa espécie, ninguém sabia onde existia uma. Voltei várias vezes ao Brasil, até que, finalmente, o encontro com essa árvore aconteceu, em um parque de Belo Horizonte.

E como foi esse encontro tão esperado com o pau-brasil?

Inicialmente, a sensação que eu tive era de que o Deva estava rindo de mim. Senti uma provocação. Parecia que ele sabia dessa minha busca por anos e que estava se divertindo com isso [risos]. Mas a mensagem que eu recebi foi muito tocante, pois o Deva falava sobre a possibilidade de não existir mais pau-brasil em cenários futuros. Só que também deixou claro que existem ainda cenários indefinidos e que, portanto, ele pode sobreviver. De uma forma geral, a mensagem foi bastante positiva.

É possível descrevê-la de forma mais detalhada?

A mensagem dizia que há futuros em que o pau-brasil não existirá mais, futuros em que existirá e muitos outros ainda não visualizados. Mãos e corações seguram as chaves para esses caminhos. As terras a que alguns se referem como os pulmões
do planeta estão clamando, pois sua capacidade é diariamente reduzida. Os equilíbrios internos de Gaia têm sido perturbados, e forças que vão além dos limites buscam restaurar o equilíbrio. Não entenda mal. Gaia como uma totalidade se move
inexoravelmente adiante, a teia da vida muda constantemente. Às vezes, essa mudança é abrupta, outras vezes se move tão lentamente que é imperceptível para os sentidos. Mas, ainda assim, ela sempre muda. A humanidade tem sido um peso
forte para algumas dessas mudanças, e toda forma de vida carrega as consequências. Estabelecer o equilíbrio é critério constante e eterno do trabalho de Gaia. O passado é o passado, mas o futuro nos aguarda. Essa foi a mensagem.

O equilíbrio de Gaia pode ser restaurado no futuro?

O papel das árvores, de todas as árvores, não pode ser enfatizado em demasia, não pode ser exagerado, mas sabe-se que elas são ingredientes cruciais nos sistemas constituídos para manter o planeta em equilíbrio. Isso é conhecido pela humanidade
e confirmado por cientistas. No entanto, mesmo assim, o fato é constantemente ignorado, as florestas continuam a cair, e o planeta, como sabemos, está em perigo como consequência. A humanidade e a natureza podem ainda resolver essas desavenças. E os Devas estão de prontidão, aguardando o nosso chamado à medida que agimos e respondemos.

E como devemos agir e responder?

Nossas escolhas individuais afetam o planeta inteiro. Quer saber o que fazer para que as escolhas se apoiem em uma visão cooperativa? É como Dorothy diz: torne-se o que você na verdade é, um ser criativo e amoroso. Use esse critério em todos os atos, escolha amar o que você faz, amar o que você é, amar os seus semelhantes. Realmente tente fazê-lo, encare o que você não gosta em si mesmo e ame isso. É simples, mas não é fácil. Entretanto, pode-se superar esse obstáculo com o ato de encostar-se a uma árvore e sentir a paciência e a constância que ela é capaz de transmitir, restaurando essas mesmas qualidades em nós.

O que sentiu quando conseguiu visitar a Floresta Amazônica?

Retornei ao Brasil em 2011 e finalmente passei uns dias na imensidão da Floresta Amazônica. Ao longo da minha vida tive muitas oportunidades de estar entre as árvores, mas o sentimento desta vez era diferente. Os Devas falam que as árvores são muito similares aos seres humanos, que uma criança não pode fazer o trabalho de um adulto, assim como uma árvore jovem não pode fazer o trabalho energético de uma árvore madura. Você lembra que anteriormente mencionei a analogia musical? Pois então: na Amazônia tinha um som de base, um pulso que eu não havia vivenciado em outros lugares, como na Mata Atlântica, por exemplo. Acho que tem algo relacionado com o volume de água que existe naquela área. É como se a água trouxesse um volume mais forte para a “orquestra”, entende? Eu, por exemplo, sempre adorei documentários sobre natureza, assisti a inúmeros filmes sobre rio e floresta, mas nada me preparou para a proporção daquilo. Fenomenal.

A senhora acredita que a Amazônia é o pulmão do mundo?

Sim, acredito.

As árvores sabem disso?

Algumas vezes elas se referiram a elas mesmas como o pulmão do mundo. Elas sabem que é assim que as vemos e acreditam que desempenham esse papel. A Amazônia realmente tem uma função especial no equilíbrio de manter Gaia sustentável. Não
é a única, mas é uma “ferramenta” extremamente importante para isso.

O que a senhora pensa sobre a exploração mineral que acontece em algumas reservas da Amazônia?

Tenho amigos muito engajados em cuidar do meio ambiente e que me falam sobre isso. Eu sou estrangeira, quero ser respeitosa e não dar palpite. Quero, com meu trabalho, tornar as pessoas mais conscientes sobre os cuidados com o meio ambiente.
É como se apaixonar. Quando nos apaixonamos, respeitamos e queremos cuidar do outro. É isso que busco inspirar nas pessoas. Quando eu vou para a floresta e faço essas conexões, sinto uma verdadeira alegria dentro de mim. É um sentimento de pertencimento a essa teia da vida, de ser aceita exatamente como sou, com essa alegria. Sinto amor e paz. A experiência é muito profunda, preciosa, e eu gostaria que mais pessoas pudessem tê-la, porque ela muda a nossa atitude em relação
ao mundo. Nós não fazemos as coisas porque devemos ou porque são politicamente e ecologicamente corretas; nós fazemos as coisas porque nós queremos fazer. Queremos cuidar, proteger e continuar a vida.