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No meio do caminho havia uma árvore – Simone Villani
Quando procurado pelo casal de proprietários deste endereço em Capitólio, sudoeste de Minas Gerais, o arquiteto Carlos Solano ouviu uma queixa: “O terreno tem um problema”. Qual? Uma grande árvore no meio. “Não quero cortar, mas não vejo solução…”, disse a mulher.
Na perspectiva do arquiteto e seu sócio, Ulisses Lins, aquele problema, no entanto, continha em si mesmo a solução. “Por que não construir uma casa em volta da
árvore?, pensamos. Essa espécie do cerrado cria um entorno delicioso. No verão faz uma grande sombra; no inverno, caem as folhas e o Sol vem esquentar; na primavera, presenteia a todos com um tapete de flores roxas; e, no outono, solta sementes em forma de estrela, que encantam. Precisa mais?”, descreve Solano.
Além disso, os profissionais perceberam que a árvore podia, simbolicamente, funcionar como um eixo do mundo e unir marido e mulher, que têm temperamentos bastante diferentes. “O homem (Terra), executivo de uma grande empresa, é agitado e gosta de vida social intensa. A esposa (Céu), formada em letras, é calma e gosta de ler, de silêncio e meditação. Como aproximar os dois? Através da árvore”, lembra Solano.
Na visão do arquiteto, que já foi colunista de BONS FLUIDOS, é especialista em feng shui e tem intimidade com flores, plantas e o sagrado, tudo fazia sentido.
“No nível do solo, criamos, para o marido, o lugar social, a arquibancada para sentar, conversar e ver o mar de morros (a bela vista da paisagem mineira), fazendo ligação com a sala e a cozinha, para o preparo dos comes e bebes”, diz.
“Na altura da copa da árvore, com a visão dos pássaros e das nuvens, desenhamos o lugar de leitura e meditação da esposa, uma saleta coberta por uma cúpula
com uma minipirâmide no centro. E essa cúpula tem a imagem do céu”, detalha. Na torre pintada de marfim, onde fica a pequena pirâmide, a ideia foi deixar passar raios de Sol ao meio-dia. No ápice da luz, esses raios vêm tocar uma mandala de ladrilhos no chão, unindo Céu e Terra nesse momento. Janelas estreitas filtram a
claridade, que acaba entrando suavemente para acalmar os sentidos.
Com essas definições, o projeto contemplou desejos e características do casal. O marido fica na Terra; a mulher, no Céu. Cada um com seu sonho preservado. O
momento de encontro, arquitetonicamente representado, é a sala de refeições, cuja mesa foi posicionada de forma a ter vista para a árvore inteira. “Durante a
partilha do alimento, a integração é completa. Se compartilha a vida”, diz Solano.
Aproveitar ao máximo o que já existe na paisagem, segundo ele, pode gerar soluções surpreendentes. Mas é preciso ter alguns cuidados quando a intenção é construir próximo a uma grande árvore: “As raízes estão normalmente sob a copa. Evite construir ali ou cimentar esse local; não use ácidos, desinfetantes, detergentes e similares na limpeza dos pisos externos, pois eles escorrem para a terra, afetando a saúde ou a sobrevivência da árvore; e garanta um espaço suficiente ao redor da árvore para que ela não precise ser podada e possa exprimir o padrão perfeito natural”, sintetiza Solano. Finalmente, e não menos importante, é fundamental que a árvore não faça sombra na casa, em lugares frios, nem crie excesso de umidade.
Essa arquitetura que reúne diferentes conhecimentos, considera as memórias dos moradores e o respeito à natureza como uma contribuição para um futuro é a essência do trabalho. “Ainda vai levar um tempo até que todas as pessoas possam viver em uma casa absolutamente ecológica. Mas estamos em um momento mundial de fazer pontes para uma realidade mais saudável. E a arquitetura pode ajudar. Por isso, proponho sempre que a construção tenha, no mínimo, uma tecnologia sustentável – um teto verde, uma parede pintada com tinta de terra, um sistema supersimples para a captação da água das chuvas”, explica o profissional.
O projeto da Casa da Árvore que descrevemos aqui e muitos outros produzidos por Solano ao longo de sua carreira, estão no livro Casa Nossa de Cada Dia (ed. Laszlo), de autoria do arquiteto. Nele, a cada capítulo, Solano demonstra em detalhes por que segue o pensamento do filósofo alemão Ludwig Wittgenstein: “A arquitetura eterniza e glorifica alguma coisa. Por isso não pode haver arquitetura onde não há nada a glorificar”.

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