Muita tecnologia e poucos afetos e mais doenças mentais

Como saber se a tecnologia está sendo destrutiva para a mente

prejuízos-cognitivos
O uso excessivo de telas pode, sim, causar prejuízos cognitivos e no neurodesenvolvimento, especialmente na primeira infância

Lembro-me da minha infância, cheia de brincadeiras como esconde-esconde, pega-pega e muitos jogos de tabuleiro. Um clássico era o Banco Imobiliário, que sempre rendia brigas familiares. Naquela época, usávamos muito a criatividade: um papel e caneta já serviam para diversas brincadeiras nas quais corríamos muito, improvisávamos e tínhamos muitos coleguinhas. A interação social começava desde cedo, em meio a discussões briguinhas e muitas risadas de criança.

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Hoje em dia, tudo parece muito diferente, e há uma preocupação crescente sobre como a tecnologia pode influenciar o desenvolvimento do nosso cérebro.

Os brinquedos mais desejados agora são tecnológicos: computadores, celulares, videogames e jogos em plataformas de streaming. As crianças parecem hipnotizadas pelas telinhas. Os menores, por exemplo, encontram uma nova “chupeta” nos vídeos do YouTube. Não é incomum sentarmos nos restaurantes e em meio a mesas cheias de pessoas todos estarem em seus celulares. Hoje são poucos contatos, poucas conversas e muitos selfies. Muita gente sorrindo nas fotos de redes sociais e chorando nos consultórios médicos de psicologia e psiquiatria.

O Brasil ocupa a segunda posição mundial em tempo gasto na internet, perdendo apenas para a África do Sul. A média de tempo que os brasileiros passam diante das telas é de aproximadamente 9 horas e 24 minutos por dia.

Socorro, isso é muito tempo!

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Para quem trabalha com tecnologia então nem se fale. Esse tempo é ainda muito maior.

O uso excessivo de redes sociais e tecnologia afeta negativamente o cérebro adulto e nós já temos convicção disso! Por exemplo, há aumento do cansaço mental, a sensação é que estamos cansados e não sabemos nem o porquê!

A sensação é que estamos fazendo muita coisa só que nada de útil!

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Queremos tudo em um click, pedimos nossas roupas, rações dos pets e até mesmo as idas ao mercado estão diminuindo. Tudo isso a troco de ter mais tempo. Mas a questão é: ganha-se tempo deixando de fazer as coisas do mundo real para estar então mais imersos ao mundo virtual? Faz sentido isso?

Estamos mais desatentos, mais ansiosos, mais acelerados, e, ironicamente, mais perdidos em meio a tantas influências e influencers o que tem nos preenchido. É uma crescente sensação de frustração.

Se isso é para os adultos imagine para as crianças e adolescentes! Nelas os impactos são ainda mais graves já que a infância e a adolescência são períodos críticos para a formação da nossa personalidade. Parte desse processo envolve o estar inserido em grupos sociais, e até mesmo a não identificação com certos grupos pode nos ajudar a fortalecer nossa identidade, porém essas relações estão cada vez mais rasas e sim, não ter relações com amigos na adolescência pode prejudicar muito o desenvolvimento e formação da personalidade.

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Hoje, vemos cada vez menos relações interpessoais na infância e na adolescência. Observamos uma crescente dificuldade de comunicação, já que o contato olho no olho tem sido gradualmente substituído por mensagens de texto e emojis. Crianças e adolescentes se frustram ainda mais já que muitas vezes se sentem perdidos em meio a tantas influências, sem saber quem realmente são e com dificuldades para descobrir seus gostos pessoais.

Um fato muito preocupante é a procura por procedimentos estéticos, como toxina botulínica por crianças e adolescentes, assim como a busca pela magreza extrema, que querem se parecer com influenciadores, que na maioria das vezes, usam filtros de beleza.

Estamos cada vez mais frustrados e com a sensação de sermos “menos”. Embora muitas pessoas levem uma vida relativamente boa, ainda se sentem tristes, pois a comparação constante nas redes sociais gera a percepção de que sempre há alguém mais bonito, mais bem-sucedido ou mais popular. Isso nos faz sentir que nossos feitos nunca são suficientes e que estamos sempre para trás.

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As crianças são particularmente vulneráveis a esses efeitos, e por isso a Sociedade Brasileira de Pediatria criou uma cartilha para recomendar o tempo ideal de tela para cada faixa etária:

– Crianças menores de 2 anos: nenhum contato com telas ou videogames.

– Crianças de 2 a 5 anos: até uma hora por dia.

– Crianças de 6 a 10 anos: no máximo duas horas por dia.

– Dos 11 aos 18 anos: no máximo três horas por dia.

O uso excessivo de telas pode, sim, causar prejuízos cognitivos e no neurodesenvolvimento, especialmente na primeira infância (até os 7 anos de idade), período crucial para o desenvolvimento de foco, atenção e habilidades motoras. Estar sempre diante das telas impede que a criança se desenvolva plenamente usando os elementos do mundo fora das telas.

Alguns sintomas podem começar a indicar que algo está errado:

– Fear of missing out (FOMO): comum entre pessoas viciadas em redes sociais, caracteriza-se pela angústia e medo de ficar muito tempo sem se atualizar das notícias e novidades ou mesmo de atualizar os outros e alimentar as próprias redes sociais;

– Selfitis: obsessão por tirar selfies repetidamente ou compartilhar constantemente o que está vivendo, o que pode ser um comportamento impulsivo.

– Dificuldade de convivência presencial: dificuldade de interação, de conversar ou olhar nos olhos das pessoas, muitos se sentem ansiosos ao interagir pessoalmente;

– Sensação de que o mundo real não é tão animado e interessante como o mundo virtual;

– Angústia ao não ser respondido nas redes sociais ou por esperar as respostas;

– Sensação de ouvir ou sentir toques e vibrações de celular mesmo sem o aparelho estar por perto;

– Dependência de redes sociais: dificuldade extrema de ficar sem o uso de telas, levando a sentimentos de desânimo, angústia e raiva;

O Gaming Disorder, reconhecido pela Organização Mundial de Saúde, é uma condição patológica que envolve a dificuldade de afastar-se de jogos eletrônicos, que passam a ser a única prioridade em detrimento de outras atividades importantes, como convívio social e atividades escolares.

O uso excessivo de telas pode prejudicar gravemente nossa saúde mental. As redes sociais, ao mexerem com o sistema de recompensa do cérebro, funcionam de maneira similar aos jogos de azar, viciando-nos através de recompensas rápidas e imediatas. Isso nos torna cada vez mais imediatistas e impacientes. Hoje, as pessoas já sentem dificuldade de assistir vídeos em velocidade normal ou com maior duração e crianças e adolescentes tem mais dificuldade de prestar atenção nas aulas obtendo menor rendimento.

As interações no mundo digital nem sempre são saudáveis. Ler comentários ou se expor online pode aumentar a produção de cortisol, o hormônio do estresse. Além disso, a luz azul emitida pelas telas prejudica a produção de melatonina, resultando em distúrbios do sono. O uso excessivo de dispositivos digitais também pode reduzir nossa criatividade, gerar cansaço emocional, sedentarismo, problemas visuais como a síndrome do olho seco e fadiga ocular, e aumentar o risco de miopia precoce em crianças e adolescentes.

Nos adultos, o uso excessivo de telas está relacionado a ansiedade, depressão, e problemas de sono. Em crianças, esse uso pode aumentar a desatenção, contribuir para transtornos de conduta, gerar maior irritabilidade e dificultar a socialização.

Por isso precisamos sim estar atentos com a nossa relação com os eletrônicos e verificar como as crianças e adolescentes estão interagindo no mundo virtual e real, pois as pioras da saúde mental e aumento de transtornos podem ser potencializados pelo uso nocivo!

Então, vamos tentar se desconectar um pouco e se conectar mais com quem amamos e com a vida – que passa rápido demais.

Siga @dra.jessicamartani médica psiquiatra.