1º de abril: Quando a mentira pode ser doença?
No dia 1º de abril, tradicionalmente, muitos se divertem com brincadeiras e pegadinhas inofensivas; no entanto, fora do contexto lúdico e socialmente aceito, o ato pode assumir contornos mais complexos

No dia 1º de abril, tradicionalmente, muitos se divertem com brincadeiras e pegadinhas inofensivas; no entanto, fora do contexto lúdico e socialmente aceito, o ato pode assumir contornos mais complexos
No dia 1º de abril, tradicionalmente chamado de Dia da Mentira, muitos se divertem com brincadeiras e pegadinhas inofensivas. Afinal, quem nunca contou uma mentirinha por diversão nessa data? No entanto, fora do contexto lúdico e socialmente aceito, a mentira pode assumir contornos mais complexos. E, em alguns casos, ser sintoma de um transtorno psiquiátrico. Como médica psiquiatra, vejo, com frequência, pacientes cujas queixas vão além da simples inverdade ocasional. A pergunta que fica é: quando mentir deixa de ser apenas um comportamento social e passa a ser sinal de doença?
Mentir é um comportamento aprendido desde cedo. Crianças pequenas mentem para evitar punições ou para testar limites. Na adolescência e vida adulta, a mentira pode se tornar uma estratégia de autoproteção, conquista ou até manipulação. E, em algum grau, todos usamos a mentira em diferentes contextos, o que chamamos de mentiras sociais ou mentiras brancas, como dizer que está tudo bem quando não está ou elogiar um presente sem gostar dele. Essas fazem parte da complexidade das relações humanas e nem sempre são prejudiciais. Mas há casos em que o mentir se torna compulsivo, crônico e sem motivo aparente — e aí, acendemos o sinal de alerta.
A mitomania, ou mentira patológica, é um quadro psiquiátrico em que o indivíduo sente um impulso quase incontrolável de forjar a verdade, mesmo sem ganhos claros ou justificáveis. São pessoas que inventam histórias grandiosas, alteram fatos repetidamente ou se colocam como vítimas constantes de situações inexistentes.
Diferente de quem mente por interesse, o mitômano mente por compulsão, há um desejo incontrolável, isso ocasiona histórias mirabolantes. Muitas vezes, o ouvinte não entende o porquê de tal comportamento, que é tão perceptível. Muitas vezes, o mitômano acredita, parcialmente. em suas próprias histórias, o que torna difícil para familiares e amigos confrontarem a realidade. Ele está tão acostumado a sempre inventar e aumentar as histórias, que o contar mentiras passa a ser um hábito incontrolável. As mesmas podem prejudicar relacionamentos, carreira e a saúde mental do próprio indivíduo.
A mitomania pode esconder transtornos de personalidade e, muitas vezes, está associada a sofrimentos, principalmente devido à baixa autoestima. O mitômano não mente para roubar, mas para se tornar interessante e buscar validação em suas relações interpessoais.
Mentir com frequência pode estar presente em outros transtornos mentais, por isso, o ideal é buscar por atendimento médico ou psicoterápico para entender quais as razões e possíveis diagnósticos. Outros transtornos que podem estar associados à mentiras frequentes são:
Entendendo os possíveis transtornos e desdobramentos da mentira, vale compreender que vivemos em uma era em que a linha entre o real e o falso pode ser turva, especialmente com o uso de redes sociais e Inteligência Artificial. A mentira digital, as conhecidas fake news, a manipulação de imagens e informações tornam o cenário ainda mais complexo. Isso pode potencializar quadros de mitomania. Ademais, o uso constante da mentira — mesmo que não patológico — pode ser um indicativo de sofrimento emocional, baixa autoestima ou medo de rejeição. Muitas vezes, ela é uma tentativa (mal adaptada) de se proteger.
Conversei sobre este tema com o Dr. Luiz Eduardo Xavier, médico psiquiatra com especialização em terapia cognitivo comportamental, escritor e palestrante. E, aqui, coloco o que ele me falou sobre isso: “Quando pensamos em comportamentos e emoções envoltos por tabus, como é o caso da mentira, rapidamente emitimos juízos de valor, como ‘mentir é sempre errado’ ou ‘mentir é desvio de caráter’. Porém, devemos lembrar que mentir faz parte da comunicação humana e pode ser considerada uma prática adaptativa, quando usada com moderação e sem interesse de tirar proveito ou manipular o outro”.
Em seguida, deu alguns exemplos. “Podemos citar uma pessoa que, ao ser convidada para experimentar um alimento que sabidamente não gosta, diz que não está se sentindo bem. O objetivo é evitar recusar diretamente o alimento e gerar uma situação desagradável. Porém, mentir se torna um problema a partir do momento em que usamos esse recurso de maneira excessiva ou disfuncional, como forma de manipular o outro para obter uma vantagem clara”, explica.
Por fim, conclui: “Consideramos a mitomania como uma aproximação da primeira opção, ou seja, o ato de mentir acontece de maneira exagerada e, muitas vezes, teatral, embora as mentiras contadas não possuam um ganho direto como obter vantagem ou manipular a outra pessoa. Muitas vezes, a motivação pode ser inconsciente, envolvendo questões como desejo de validação do outro, de ser reconhecido como uma pessoa interessante ou medo da rejeição”.
Se você percebe que alguém próximo mente de forma recorrente, mesmo quando não há necessidade, e que isso tem prejudicado sua vida pessoal ou profissional, é importante buscar ajuda especializada. A psicoterapia e, em alguns casos, o uso de medicações podem ajudar a tratar transtornos de base e melhorar a qualidade de vida do paciente. O Dia da Mentira pode ser leve e divertido, mas também pode nos lembrar que, por trás de certas histórias fantasiosas, pode haver um pedido silencioso de ajuda. A verdade, por mais difícil que seja, ainda é o caminho mais saudável para a mente.
Jéssica Martani é médica psiquiatra, especialista em TDAH e saúde mental,criadora do canal brilhantemente do you tube e coordenadora da pós-graduação reconhecida pelo MEC pelo Instituto TDAH e Universidade Anhanguera.
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