Dizem que o coração é o grande chefe no nosso corpo, mas tão importante quanto ele, é o fígado – o nosso maior órgão com funções mais que fundamentais. Sem ele, “emperramos”. O fígado interfere no funcionamento de quase tudo, embora muitas dessas funções ainda não sejam totalmente compreendidas.
Quando pensamos no fígado já pensamos logo em detox. O processo de detox é uma filtragem e metabolização das toxinas de tudo que é ingerido. Sejam alimentos, bebidas e medicamentos, que após serem digeridos e absorvidos no intestino, são filtrados e metabolizados por ele. Nesse processo são separados os nutrientes necessários para permanecer no corpo e serem absorvidos, ao contrário das toxinas, que necessitam ser excretadas. Esse processo é feito pelos hepatócitos, suas células mais importantes, que constituem cerca de 2/3 da sua massa.
É curioso saber que o fígado está estrategicamente situado no sistema circulatório e que recebe um suprimento sanguíneo duplo: cerca de 20% do seu fluxo é rico em O2 que vem da artéria hepática, enquanto o restante, 80%, é composto por nutrientes e provém da veia porta. Esta particularidade permite que ele controle substâncias que são absorvidas em todo o intestino e determine quais delas vão entrar, e como vão entrar, na circulação sistémica.
Quando falo que o fígado age no funcionamento de várias funções vitais do nosso corpo, não é à toa. Vamos conferir algumas abaixo.
Ação do fígado em funções vitais
Armazenamento e distribuição da glicose: através dos alimentos que ingerimos, a glicose é extraída e armazenada no fígado que, diante da necessidade de energia do organismo, libera a glicose na corrente sanguínea, fornecendo energia. O fígado tem um papel essencial em manter o nível plasmático de glicose mais ao menos constante e dentro da normalidade.
Metabolismo energético e de carboidratos: o fígado providencia energia aos outros tecidos fundamentalmente pela exportação de glicose e corpos cetônicos, que são uma importante fonte de energia providenciada pelo fígado, principalmente em situações em que a utilização da glicose está comprometida, como no jejum ou em situações patológicas, como a diabetes.
Produzir substâncias essenciais: o fígado é responsável pela produção de proteínas plasmáticas, como albumina, globulinas e fibrinogênio, além dos fatores de coagulação.
Secreção da bile: a bile é a secreção responsável por ajudar na digestão de gorduras no organismo. Ela é produzida totalmente pelo fígado e armazenada na vesícula biliar.
Defesa contra micro-organismos: no fígado, existem estruturas e células especializadas que servem para combater a disseminação de bactérias e outros micro-organismos que transmitem infecções, impedindo que se espalhem pelo corpo, deixando assim o sistema mais fortalecido.
Sintetizar o colesterol e metabolizar vitaminas lipossolúveis: o órgão realiza a síntese do colesterol e é responsável pela liberação das vitaminas lipossolúveis no organismo. Elas são armazenadas e liberadas gradativamente pelo sistema hepático.
Alimentação com baixo valor nutricional: a ingestão exagerada de alimentos gordurosos, com muito sal, açúcar e gorduras saturadas – como os alimentos ultraprocessados ou embutidos – afetam diretamente a saúde de nosso fígado, já que o nível elevado de toxinas leva a uma sobrecarga do trabalho do fígado, aumentando a gordura no órgão e favorecendo o aparecimento de doenças hepáticas.
Consumo de álcool: o consumo de álcool, seja em consequência de um volume excessivo ou do consumo recorrente por tempo prolongado, pode prejudicar as funções que o fígado exerce no organismo.
Álcool x Fígado
Em condições normais, o álcool (etanol) é metabolizado em acetaldeído e depois transformado em acetato. Esse processo é realizado nas mitocôndrias, principalmente na região central do lóbulo hepático. Quando há consumo de álcool em excesso, esse processo poderá ultrapassar a capacidade de metabolização nessa região, podendo levar a falta de oxigênio nas células (hipóxia), além de danos mitocondriais e estresse oxidativo.
Essas consequências podem afetar a oxidação de ácidos graxos (uma das funções do fígado), o que resulta na esteatose e no acúmulo de gordura no fígado. Além disso, o álcool aumenta a permeabilidade intestinal, ampliando a absorção de toxinas bacterianas que induzem e perpetuam a inflamação.
Em uma situação mais crítica, esse consumo exagerado de bebidas alcoólicas pode acabar causando o surgimento de doenças hepáticas crônicas como a hepatite alcoólica e a cirrose.
Principais doenças que afetam o fígado
Esteatose hepática
A famosa gordura no fígado é uma doença que se caracteriza justamente pelo acúmulo de gordura dentro das células hepáticas. Aproximadamente cerca 5% do peso do fígado é composto por gordura e quando essa porcentagem aumenta, seja por hábitos alimentares com alto consumo calórico ou por ingestão inadequada de bebidas alcoólicas, pode acabar desencadeando a doença.
Hepatites virais
As hepatites virais são separadas pelos tipos A, B, C, D e E, sendo os tipos D e E os menos comuns no Brasil. Essas condições se caracterizam pela inflamação do fígado através do processo infeccioso causado por vírus. Todas podem ser tratadas, mas as hepatites B e C podem apresentar formas mais agressivas e evoluir para doença crônica.
Hepatite alcoólica
Doença causada pelo excesso de álcool ingerido por um tempo prolongado. Assim como no caso das hepatites virais, ela também causa a inflamação do fígado e prejudica o seu funcionamento.
Cirrose
A cirrose é uma doença crônica do fígado que se caracteriza pela formação de tecidos fibrosos e lesões que distorcem a arquitetura hepática e prejudicam a circulação sanguínea. Essa condição pode ser causada pelo abuso do álcool, ou se desenvolver através de uma piora nos quadros de hepatite B e C. É uma condição que geralmente afeta homens a partir de 45 anos e pode resultar em insuficiência hepática.
Apesar de ser um órgão com alta capacidade de regeneração, quando o fígado chega ao ponto de cirrose hepática, inicia-se um processo quase sempre irreversível – e quase sempre evolutivo – para uma insuficiência hepática incompatível com a vida.
Obesidade
A obesidade é a principal causa de gordura no fígado atualmente. A prevalência de esteatose varia de 45% a 85% a depender do grau de obesidade. A hepatite gordurosa atinge 20% a 40% das pessoas com obesidade. O fato de acumular a gordura no fígado aumenta o risco de uma série de complicações metabólicas, como diabetes do tipo 2, síndrome dos ovários policísticos e doença cardiovascular.
Como manter o fígado saudável?
Dieta com baixo índice glicêmico
Não é nem preciso dizer que uma alimentação rica em nutrientes, com vitaminas, fibras e minerais e antioxidantes é essencial para ter um fígado saudável. Por ser o principal órgão envolvido na desintoxicação do organismo, é necessário ingerir alimentos que auxiliem em suas funções no processo de metabolização de toxinas, evitando a sobrecarga.
Em uma dieta com baixo índice glicêmico, na qual os alimentos são aqueles absorvidos mais lentamente pelo organismo, é possível manter os níveis de açúcar no sangue equilibrados e assim evitar a resistência insulínica e a possibilidade do desenvolvimento de esteatose hepática.
Controle de peso
Manter um estilo de vida saudável com uma alimentação equilibrada e praticar exercícios regularmente são os pilares principais do tratamento. De acordo com estudos, uma perda de peso modesta já traz benefícios. Perder de 5% a 7% do peso já melhora a esteatose e a inflamação. Já uma perda de peso acelerada com dietas radicais não é recomendada, pois pode sobrecarregar ainda mais o fígado com gordura, piorando a inflamação. No entanto, é fundamental o acompanhamento e orientação de um profissional para alcançar esse objetivo com saúde e segurança.
Hidratação adequada
Quando o fígado realiza o processo de filtragem, as toxinas são liberadas para serem excretadas do organismo. O consumo adequado de água auxilia nesse processo, favorecendo a eliminação das toxinas através da urina – processo fundamental para manter o fígado saudável.
Redução de toxinas
Devido a importante ação do fígado na metabolização de toxinas, uma das alternativas para mantê-lo saudável é evitar a exposição às substâncias tóxicas. Algumas alternativas que podem auxiliar são:
- Preferir alimentos orgânicos;
- Consumir água filtrada;
- Evitar o uso de panelas com superfície antiaderente;
- Utilizar cosméticos livres de metais pesados, petrolatos e afins.
Atividade física
Diversos estudos mostram a relação existente entre a prática de exercícios físicos e a melhora do perfil lipído (ou seja, diminuição de TGs, VLDL e LDL e aumento do HDL). No entanto, alguns estudos mostraram que exercícios mais intensos e com mais gasto de energia, apresentam um benefício maior em relação a exercícios de intensidade moderada e com baixo gasto energético.
Durante os exercícios físicos, a secreção de glucagon e insulina aumentam e diminuem, respectivamente. Glucagon e Insulina são hormônios secretados pelo pâncreas que têm a função de controlar a glicemia, ou seja, os níveis de açúcar, permitido a entrada deste na célula para geração de energia e seu armazenamento no fígado e tecido adiposo.
O glucagon age de modo a aumentar a glicemia, por meio da manipulação das reservas energéticas e formação de glicose a partir de outras fontes, por exemplo, as proteínas. Estudos também mostraram que o aumento da concentração de glucagon induz maior taxa de oxidação de gordura pelo fígado e a prática constante de exercícios físicos leva a uma maior sensibilidade desse órgão aos efeitos dessa substância.
Além disso, através do fortalecimento muscular que a prática de atividades físicas proporciona, é possível reduzir os níveis de insulina – que também é um fator importante para estimular a queima do estoque de gordura na região, prevenindo o seu acúmulo em excesso.
É também através da atividade física que se torna possível induzir a alteração no metabolismo do fígado, reduzindo os níveis de triglicerídeos e colesterol LDL (ruim) e aumentando, consequentemente, os níveis de colesterol HDL (bom).
Ativos que auxiliam na saúde hepática
Existem alguns ativos de uso oral que podem auxiliar na prevenção ou no tratamento de condições relacionadas à saúde do fígado. Mas, de forma alguma, faça uso desses sem orientação de um médico, farmacêutico ou nutricionista.
- Ácido lipoico: possui ação antioxidante nas células parenquimatosas do fígado, responsáveis pela metabolização;
- Colina: pode atuar no tratamento adjuvante das hepatites, na prevenção dos efeitos do álcool e na ativação da secreção de VLDL, impedindo que a gordura se acumule no fígado;
- Complexo B: contribuem na ativação de enzimas importantes para a saúde hepática e nos processos metabólicos;
- Curcumina: também tem propriedades anti-inflamatórias que podem ajudar a reduzir a replicação viral. Também possui ação hepatoprotetora;
- Fosfatidilcolina: constituída por um grupo de ácido graxo, fosfato e colina, auxilia na recuperação dos hepatócitos quando danificados pela exposição ao álcool, reforçando a função protetora do fígado;
- Inositol: pode ajudar a reduzir os níveis de colesterol;
- L-arginina: auxilia na metabolização do álcool;
- L-glicina: pode ajudar a prevenir o acúmulo de gordura no fígado;
- L-glutationa: importante para a metabolização de substâncias no fígado, principalmente do álcool;
- L-metionina: importante para a produção de glutationa, que atua neutralizando as toxinas e evitando o acúmulo de gordura;
- L-taurina: importante para o funcionamento adequado das células do fígado devido ao aumento do metabolismo energético;
- Licorice: possui ação anti-inflamatória que pode ajudar na redução da intensidade das hepatites.
- Magnésio: pode atuar aumentando a vasodilatação devido a sua ação desintoxicante no fígado;
- MSM: auxilia na melhora de lesões agudas no fígado;
- Pool de aminoácidos: atuam como cofatores na metabolização do álcool e do acetaldeído;
- S-adenosilmetionina (SAMe): atua protegendo o fígado e reduzindo os possíveis danos que podem ser causados na região;
- Selênio: Auxilia na melhora da função hepática;
- Silimarina: fitoterápico mais pesquisado por sua importante ação antioxidante, auxiliando na preservação do fígado diante de possíveis substâncias tóxicas que possam afetar a saúde;
- Vitamina C: importante antioxidante que atua reduzindo o risco de infecções, auxiliando no equilíbrio da síndrome metabólica, favorecendo a produção de vitamina E e promovendo melhora em toda as funções hepáticas;
- Zinco: favorece a ação de enzimas necessárias para a limpeza do fígado, prevenindo sua sobrecarga.
Para melhora da sua saúde hepática, coma melhor, mas não necessariamente menos. Mova-se mais e celebre essa máquina fantástica que é o seu corpo e tudo que ele pode te proporcionar. Essas medidas trazem muitos outros benefícios a sua saúde. Ao melhorar nosso estilo de vida, também podemos ser a melhor versão de nós mesmos!