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É hora do chá

Desligue o celular, estenda uma toalha florida sobre a mesa, coloque sua louça mais bonita e prepare-se para um momento de desintoxicação de tudo que não for saboroso e gentil

É hora do chá – Paulo Santos
Sylvia Rodrigues pode ser chamada de maga das misturas de ervas. Sabe tudo de plantas. É formada em farmácia, adepta da antroposofia e por muitos anos trabalhou para
a Weleda, multinacional que produz medicamentos e cosméticos voltados para os princípios dessa linha terapêutica. Por essa composição de saberes, os chás e suas
funções sempre estiveram presentes na rotina da profissional. É uma verdadeira sommelier do chá, capaz de avaliar, selecionar e recomendar as melhores opções
para o consumo. Alguém precisa de uma infusão que trate o corpo mas também acalme a alma? Ela sabe indicar qual. “O chá promove o bem-estar geral. Os aromas,
graças aos óleos essenciais, começam a agir no seu corpo astral, nas emoções, enquanto o vegetal traz a vitalidade, o benefício físico”, explica.
Mas algo dessa química ia além de toda explicação. Os chás enterneciam os encontros. Viravam assunto por si mesmos (quem não quer saber de onde vem o chá azul da foto ao lado?). E Sylvia observava isso com gosto. Um dia, a sua paixão pela cultura inestimável da bebida e o desejo de criar diferentes fórmulas que atiçassem o paladar transcendeu o seu lado “farmacêutico”. A especialista deixou a Weleda e abriu uma pequena loja sobre uma lavanderia, em São Paulo. Pequenina. Adorável. Até que a caixa d’água do prédio estourou e um tsunami escorreu pelas paredes e pelas lâmpadas de LED instaladas acima de cada prateleira de ervas. “Perdi tudo. Meu filho brincou: ‘Mãe, você fez todos os chás no mesmo dia!’”, lembra ela. Bendito dia. “Diante de toda aquela inundação, eu senti que precisava de conforto. Disse pra minha outra filha: ‘Preciso de um macarrão com vinho, e só pode ser o do Caio [dono de um restaurante que ela frequentava com a família]. Vem comigo’”, conta.
E, como a gente nunca sabe na hora a importância dos fatos que vivencia, Sylvia ficou duas vezes decepcionada quando viu a placa avisando que o restaurante havia
fechado suas portas. “Liguei na hora pro Caio querendo saber o que tinha acontecido e contei da minha tragédia. Em minutos ele veio me encontrar com uma garrafa
de vinho debaixo do braço e a chave do espaço. Bebemos, ele, minha filha e eu, nas únicas três taças que haviam sobrado lá enquanto ele explicou que passava por problemas financeiros e estava vendendo a casa”, conta.
Entrar no restaurante, que tem dois pavimentos e um belo jardim, admirar suas portas e janelas com marcas dos anos, despertou a memória de bons tempos. Quando o amigo lhe sugeriu ficar com o imóvel, ela balançou. Não tinha dinheiro suficiente. “Liguei pro meu marido, fizemos contas, ele disse não. Mas algo dizia tão forte que ia dar certo que eu aluguei mesmo assim. Escondido”, brinca.
A Teakettle (nome da casa, que significa bule de chá) está dando certo desde então, e com o apoio do marido de Sylvia. Tem salas arejadas e acolhedoras, decoradas com mesinhas redondas nos salões, e um mesão na área externa, do jardim. Toalhas estampadas, muitos vasinhos desconjuntados de flores, dois pianos. Transborda
carinho em todos os detalhes. E, mesmo que ninguém diga, propõe o slow living. “Quem se senta para um chá se prepara para um detox. Bebe e vai lavando toxinas, inclusive as de um dia que foi pesado, em que você xingou o governo, o trabalho, o trânsito…”, cutuca a espirituosa Sylvia. “Aquele momento em que você está sem celular, comendo coisinhas gostosas, tomando uma bebida que só pelo aroma já harmoniza tudo, desarma as pessoas. É só o tempo de fazer um bolinho de chuva.”
É um momento de se surpreender quando chega um lindo chá azul, o blue tai tea, potente para a imunidade – presente que vem da Tailândia e que fica da cor da
lavanda se incluímos algumas gotas de limão. Sylvia passa de mesa em mesa explicando tudo, como uma amiga que se diverte ao compartilhar curiosidades. Quem
pede um puer, e as chinesas o pedem muito, aprende que esse chá preto já foi proibido por Mao Tsé Tung. “O motivo? Seu gosto de terra ampliava a consciência.
Por isso tinha que ser tomado escondido”, conta a expert. Ela aprendeu que cada um tem seu jeito de tomar chá, e isso é especialmente encantador. “A primeira vez que
as coreanas vieram aqui foi uma surpresa. Elas não trocam a xícara. Resultado: tive que fazer um chá bem concentrado e trazer bules de água quente para elas mesmas irem diluindo a bebida aos poucos.”
As islâmicas gostam de vir passar o dia. As francesas pedem madeleines de acompanhamento. Essa relação com grupos de diferentes países surgiu há alguns anos.
“Uma inglesa, a Alma, esposa de um reverendo da Igreja Anglicana, me avisou que traria outra inglesa para um chá da tarde. Alma me deu uma cestinha de palha
com uma toalha de renda e quatro scones (pãozinho inglês para comer com geleia) para servir. Preparei uma mesa impecável e, pontualmente, às 16h30, elas chegaram.
Servi o chá preto, um pouquinho de leite e os scones – como ela pediu –, e saíram tão felizes que entendi o conforto emocional. Para alguns, de volta à terra natal.”
Hoje, além dos grupos citados, há também os de colombianas e de portuguesas, que se destacam porque preferem chás coloridos, aromáticos, alegres.
Preto ou verde, de melissa, hortelã-pimenta, camomila, maçã, erva-cidreira ou rosa, todos os tipos convivem em santa paz nessa ONU das casas de chá. A atmosfera
da Teakettle contagia, mas Sylvia não se vangloria disso. Sua devoção é à pausa para degustar, ao encanto, ao bom papo. E qualquer um consegue reproduzir isso na própria vida. “O pão com manteiga servido com café ou chá de hortelã sobre uma mesa com toalhinha humilde é a melhor coisa do mundo. Quando sua avó diz que não tem nada para oferecer, mas coloca sobre a mesa esse carinho, isso é a melhor coisa do mundo.”

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