Uso de psicoestimulantes sem prescrição: Saiba os riscos

Essa busca tem levado muitas pessoas a procurarem o que chamam de “pílulas da inteligência”, acreditando que um simples comprimido possa aumentar a capacidade cognitiva ou melhorar o desempenho

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Vivemos tempos onde a pressão por produtividade e resultados rápidos é implacável, sufocando-nos cada dia mais – Pexels/Antoni Shkraba

Vivemos tempos onde a pressão por produtividade e resultados rápidos é implacável, sufocando-nos cada dia mais. Somos constantemente bombardeados por expectativas de eficiência extrema, rapidez e resiliência inabalável. Como se isso não bastasse, a tecnologia avança em um ritmo tão acelerado que, muitas vezes, nos sentimos insuficientes em comparação. Lembro-me de um paciente que, em uma consulta, desabafou: “Dra, eu preciso ser mais rápido que o Google”. Essa frase, embora dita em tom leve e de brincadeira, mostra o quanto estamos nos sentindo pressionados por ser cada vez mais produtivos.

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Essa busca tem levado muitas pessoas a procurarem o que chamam de “pílulas da inteligência“, acreditando que um simples comprimido possa aumentar a capacidade cognitiva ou melhorar o desempenho. Mas, sabemos que elas só existem nos filmes de ficção cientifica e que na vida real, estão longe de existirem.

Hoje, quero discutir um tema muito sério que tenho visto no meu consultório: O uso de medicamentos psicoestimulantes como Venvanse e Ritalina sem a devida prescrição médica.

É preocupante!

As pessoas estão usando para diversos fins, algumas pessoas que usam durante fases de provas, outras usam em momentos mais desafiadores em suas vidas nas empresas, mas é alarmante a quantidade de pessoas que utilizam esses medicamentos para fins que, muitas vezes, estão longe de suas indicações clínicas. Outros chegam a enganar médicos para obter prescrições, enquanto alguns utilizam para permanecer acordados por mais tempo ou como uma ferramenta para emagrecer, alegando compulsão alimentar que, muitas vezes, nem possuem. E, claro, há eventualmente aqueles que realmente precisam dessas medicações para tratar condições como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).

A Ritalina, que tem como substancia metilfenidato, foi introduzida no Brasil em 1998. Já o Venvanse, uma forma de lisdexanfetamina, chegou ao mercado brasileiro em meados de 2010, um pouco mais tarde. Essas medicações atuam no sistema nervoso central e são opções terapêuticas importantes para o tratamento do TDAH, atuam nas áreas responsáveis pela cognição e centros de planejamento de tarefas, proporcionando melhorias significativas na atenção e no controle da hiperatividade em pacientes corretamente já diagnosticados.

Entretanto, o uso indiscriminado e sem orientação médica dessas substâncias tem se tornado cada vez mais comum, o que tem preocupado a área cientifica.

Não é raro encontrar pessoas obtendo esses medicamentos no mercado paralelo, mesmo com o alto custo envolvido.

Riscos à saúde: Muito além do que se vê

O uso dessas medicações sem a devida prescrição médica pode acarretar riscos. O que eu mais vejo com o Venvanse, por exemplo, é a dependência e muitos pacientes acabam se tornando dependentes do medicamento!

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Ainda não é raro ver pessoas usando para  simplesmente conseguir acordar, e observo a dificuldade de retirar essas medicações. Além disso, um estudo publicado na renomada revista JAMA revelou que o uso de psicoestimulantes, como o Venvanse e a Ritalina, está associado a um aumento significativo no risco de doenças cardiovasculares, como  hipertensão e taquicardia, especialmente se a pessoa ja se encontra com condições pré-existentes.

Outro aspecto preocupante que acontece muito é o uso dessas medicações associado ao uso de drogas. Estudos indicam que a combinação de álcool com estimulantes pode mascarar os sinais de embriaguez e mascarar os sinais nocivo. Isso aumenta os riscos de danos crônicos relacionados ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas. Além disso, há evidências sugerindo que o mesmo também pode ocorrer com drogas ilícitas, podendo ocultar os potenciais prejuízos do uso de delas, levando a comportamentos de risco e prejudicando a vida da pessoa.

Impacto neurocognitivo: O custo invisível do uso prolongado

Os estudos sobre como o uso prolongado dessas medicações podem afetar a cognição é crescente e há uma preocupação entre os cientistas: Será que usar por muito tempo pode prejudicar?

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Alguns estudos sugerem (Spencer et al. (2019) que o uso prolongado de metilfenidato pode impactar a neuroplasticidade – a capacidade do cérebro de fazer novas conexões. A pesquisa revelou que, embora os psicoestimulantes possam melhorar a atenção e a função executiva, o uso contínuo pode causar alterações nas vias que regulam a motivação e a recompensa.

Alguns estudos de neuroimagens mostram alterações em áreas importantes do cérebro como estruturas responsáveis por controlar impulsos, regular as emoções e locais relacionados aos centros de recompensas. A preocupação é que os psicoestimulantes ajudam incialmente, porém a longo prazo pode haver algum impacto relevante no desenvolvimento emocional e cognitivo.

Em uma era onde somos comparados a máquinas e sermos velozes e produtivos são valores colocados acima da nossa própria saúde, é compreensível que muitos busquem soluções rápidas e busquem o imediatismo para melhorar o desempenho e alcançar o sucesso.

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Contudo, o uso indiscriminado e exagerado de medicamentos como Venvanse e Ritalina sem a devida prescrição e avaliação médica pode levar a consequências graves e duradouras.

É essencial que as pessoas entendam que a medicação não é brincadeira e ainda, é preciso que as pessoas busquem orientação profissional antes de recorrer a essas substâncias.

O uso de psicoestimulantes é apenas para pessoas que tem o diagnóstico de TDAH e no caso do uso de Venvanse (lisdexanfetamina) o uso é indicado para quem tem TDAH e/ou compulsão alimentar.

Esses medicamentos não são uma solução mágica. São ferramentas poderosas que, quando usadas corretamente, podem melhorar significativamente a qualidade de vida de quem realmente necessita dela e para quem não tem o diagnostico, não há benefícios! Muito pelo contrário. Nao é incomum começarem a ter insônia, problemas alimentares e começarem a se sentirem mais ansiosos.

Então, o uso deve ser sempre cuidadosamente avaliado e monitorado por um profissional de saúde, considerando os benefícios e riscos envolvidos, bem como respaldando o diagnóstico correto.

Essa reflexão é um chamado à responsabilidade e à cautela, lembrando que o caminho mais rápido nem sempre é o mais seguro ou o mais sustentável. O bem-estar mental e físico deve ser sempre a prioridade, e para isso, é preciso fazer escolhas informadas e conscientes.

Siga: @dra.jessicamartani médica psiquiatra especialista em TDAH

Referências:

  1. Banaschewski, T., et al. (2021). A Systematic Review of the Safety of Lisdexamfetamine Dimesylate. CNS Drugs. Este estudo revisa a segurança e os efeitos adversos da Lisdexanfetamina (Venvanse), abordando questões como dependência e riscos cardiovasculares.
  2. Zhang, L., et al. (2022). Risk of Cardiovascular Diseases Associated With Medications Used in Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder: A Systematic Review and Meta-analysis. JAMA Network Open. Esta meta-análise examina o risco de eventos cardiovasculares, como hipertensão e taquicardia, em usuários de psicoestimulantes.
  3. Spencer, T.J., et al. (2019). Neurocognitive Effects of Long-Term Methylphenidate Use in Children with ADHD: A Systematic Review. Neuroscience & Biobehavioral Reviews. Este artigo explora como o uso prolongado de Metilfenidato pode impactar a neuroplasticidade e as funções cognitivas em pacientes com TDAH.
  4. Rubia, K., et al. (2018). Neuroimaging Studies of ADHD and Stimulant Medication: A Systematic Review. European Neuropsychopharmacology. Este estudo utiliza neuroimagem para investigar as alterações estruturais no cérebro de pacientes que fazem uso prolongado de psicoestimulantes, com foco no córtex pré-frontal e estriado.
  5. O’Brien, E. (2022). Study Shows Connection Between ADHD Medication and Risk of Suicide Attempt. Psychiatric Times. Este artigo discute a associação entre o uso de Metilfenidato e o aumento do risco de tentativas de suicídio, especialmente em adultos jovens.
  6. Wilens, T.E., et al. (2020). Misuse of Prescription Stimulants Among Adolescents and Young Adults: Prevalence, Motivations, and Consequences. Journal of Substance Abuse Treatment. Este estudo revisa o uso indevido de psicoestimulantes por jovens, explorando as motivações e as consequências desse comportamento.